Antes da criação da famosa Lei 14.300, o cálculo da fatura mínima era muito simples, e tinha um valor único. Bastava calcular o valor referente ao custo de disponibilidade.
Depois da Lei, a fatura mínima pode ter 2 valores diferentes: o valor referente ao custo de disponibilidade, ou o valor referente ao custo de transporte.
– “Como assim Gustavo?”
Vamos entender isso agora. Neste post você vai entender:
- a regra que define qual o valor da fatura mínima de um consumidor grupo B;
- quais são as parcelas que um consumidor grupo B deve pagar na fatura;
- quais os limites de compensação; e
- quando o consumidor grupo B deve pagar TUSDg;
e muito mais.
Para começarmos a entender como isso é feito, vamos ver o que diz a Resolução Normativa 1000, que foi alterada pela Lei 14.300.
1. Regra que define a conta mínima
Na Seção III da REN 1000 (“Do Faturamento de unidades consumidoras do SCEE”), o Art. 655 dispõe as regras para cálculo da fatura mínima (a partir daqui, chamarei esse valor de conta mínima).
É confuso, eu sei, e eu vou traduzir para você mais adiante. Mas leia uma vez, mesmo que seja confuso, para você já ir se habituando com a resolução:
“Art. 655-I. No faturamento no grupo B de unidade consumidora participante do SCEE, o consumidor deve pagar à distribuidora a soma das seguintes parcelas:
I – parcela referente à energia ativa consumida da rede de distribuição; e
II – parcela referente à energia ativa injetada na rede de distribuição.
§ 1º A parcela referente à energia ativa consumida da rede de distribuição é o maior valor entre os obtidos a partir do:
I – custo de disponibilidade disposto no art. 291; ou
II – faturamento referente à energia consumida da rede, composto pela soma:
- a) da diferença positiva entre o montante de energia ativa consumido da rede e a energia compensada, faturada conforme regras aplicadas aos demais consumidores; e
- b) do faturamento do custo de transporte da energia compensada, conforme enquadramento como GD I, GD II ou GD III.
§ 2º A energia compensada de que trata o § 1º:
I – deve ser considerada até o limite em que o valor monetário relativo ao faturamento de que trata o § 1º, seja maior ou igual ao custo de disponibilidade; e
II – é limitada ao montante total de energia elétrica ativa consumido pela unidade consumidora no ciclo de faturamento.
§ 3º A parcela referente à energia ativa injetada na rede deve ser calculada pela seguinte equação:
Faturamento Uso Injeção = (Injeção − Consumo) × TUSDg
em que:
- Injeção é a demanda medida de injeção, em kW;
- Consumo é demanda medida requerida do sistema, em kW, limitado ao valor da Injeção; e
- TUSDg é Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição aplicável a central geradora.
§ 4º No cálculo do § 3º devem ser observadas as seguintes disposições:
I – somente pode ser realizado nas unidades consumidoras em que o sistema de medição seja capaz de apurar as demandas requerida e de injeção; e
II – deve ser iniciado após aviso prévio à unidade consumidora, com pelo menos, dois ciclos de faturamento de antecedência.”
Confuso, eu sei. Fica tranquilo, eu também não entendi tudo a primeira vez que li. Vamos traduzir esse “palavrão” por partes.
2. Quais são as parcelas que o consumidor paga na fatura
Vamos começar pela primeira parte do artigo.
“Art. 655-I. No faturamento no grupo B de unidade consumidora participante do SCEE, o consumidor deve pagar à distribuidora a soma das seguintes parcelas:
I – parcela referente à energia ativa consumida da rede de distribuição; e
II – parcela referente à energia ativa injetada na rede de distribuição.”
O trecho diz que consumidores do grupo B devem pagar à distribuidora os valores referentes à soma de 2 parcelas:
- uma parcela referente ao consumo de energia; e
- outra parcela referente à injeção de energia (TUSDg).
O que isso quer dizer? Que todo consumidor grupo B tem que pagar pela energia consumida e pelo uso da rede para injetar energia (TUSDg).
O faturamento pelo uso da rede para injeção (TUSDg) na baixa tensão é uma novidade que está prevista na Lei (como acabamos de ver), mas que ainda é incomum de acontecer. Apesar de ser incomum, iremos abordar mais adiante.
2.1. Parcela referente ao consumo de energia
Continuando, vamos para o parágrafo 1º. Aqui, o artigo descreve o que seria a “parcela referente à energia ativa consumida” do item I.
“§ 1º A parcela referente à energia ativa consumida da rede de distribuição é o maior valor entre os obtidos a partir do:
I – custo de disponibilidade disposto no art. 291; ou
II – faturamento referente à energia consumida da rede…”
O que está se dizendo neste trecho é que essa parcela (referente ao consumo) é o maior valor entre dois: o “custo de disponibilidade” ou o “faturamento da energia consumida”.
Lembra do início do post quando eu disse que a conta mínima agora pode ter 2 valores diferentes? É por causa deste trecho.
Vamos ver o detalhamento do que seria o “faturamento referente à energia consumida”.
“II – faturamento referente à energia consumida da rede, composto pela soma:
- a) da diferença positiva entre o montante de energia ativa consumido da rede e a energia compensada, faturada conforme regras aplicadas aos demais consumidores; e
- b) do faturamento do custo de transporte da energia compensada, conforme enquadramento como GD I, GD II ou GD III.”
O “faturamento referente à energia consumida” (vamos chamar de faturamento do consumo) é então a soma de 2 valores:
- a diferença entre energia consumida e compensada, faturada da mesma maneira que os demais consumidores (ou seja, aplicando-se a mesma tarifa dos consumidores que não tem GD); e
- o faturamento do custo de transporte, faturado conforme enquadramento GD I, GD II ou GD III.
O que seria o custo de transporte? A famosa “taxação”. Em outras palavras, o faturamento do consumo é a soma de 2 valores:
- da diferença entre o que você consumiu e compensou, faturada à preço cheio; e
- da taxação referente ao que você compensou.
2.1.1. Quais os limites para a compensação de energia
Antes de falar sobre a segunda parcela (referente à demanda de injeção), vamos falar sobre os limites para a compensação de energia, que estão dispostos no parágrafo 2º.
“§ 2º A energia compensada de que trata o § 1º:
I – deve ser considerada até o limite em que o valor monetário relativo ao faturamento de que trata o § 1º, seja maior ou igual ao custo de disponibilidade; e
II – é limitada ao montante total de energia elétrica ativa consumido pela unidade consumidora no ciclo de faturamento.”
O trecho diz, no item I, que você pode compensar energia até o valor da fatura ficar igual ao custo de disponibilidade.
Cada 1 kWh que você compensa, a fatura fica um pouco mais barata. Quanto mais você compensa, mais barata ela fica. O máximo que você pode compensar é uma quantidade que deixe a fatura igual ao custo de disponibilidade.
Em outras palavras, o valor mínimo POSSÍVEL da fatura é o custo de disponibilidade. Não tem como ficar mais barato do que isso.
Mas atenção: isso não quer dizer que a conta mínima sempre será igual ao custo de disponibilidade. Em algumas situações, a conta mínima é bem maior do que isso.
Lembre-se: a conta mínima tem 2 valores possíveis. Um deles é o custo de disponibilidade.
Agora vamos falar do item II. No item II o artigo diz que a quantidade máxima de energia que pode ser compensada é igual à quantidade consumida.
Vamos ver um exemplo para fixar bem.
Imagine uma UC bifásica que consumiu, em uma certa fatura, 300 kWh. Neste mesmo período, o sistema injetou na rede 500 kWh. Como é bifásica, o custo de disponibilidade é 50 kWh.
Segundo o item II do parágrafo 2º, o máximo de energia que pode ser compensada, nesse caso, é 300 kWh; a máxima compensação é a quantidade consumida. Se ele consumiu 300 kWh, não tem como compensar 350 kWh, por exemplo.
Vamos agora considerar que:
- a tarifa de consumo é R$ 1,00; e
- a tarifa de compensação é R$ 0,90.
O item II do parágrafo 2º diz que o máximo que pode compensar é o consumo, certo? Então vamos compensar os 300 kWh.
Vamos calcular então o valor final da fatura.
Consumo = R$ 1,00 x 300 kWh = R$ 300
Compensação = R$ 0,90 x 300 kWh = R$ 270
Fatura final = Consumo – Compensação = R$ 300 – R$ 270 = R$ 30
Segundo nossos cálculos, a fatura final seria de R$ 30.
Mas o item I do mesmo parágrafo 2º diz que só pode compensar até a conta ficar igual a, no mínimo, o valor monetário referente ao custo de disponibilidade.
Qual o valor monetário referente ao custo de disponibilidade?
Valor do custo de disponibilidade = R$ 1,00 x 50 kWh = R$ 50
Mas se compensar todos os 300 kWh que foram consumidos o valor final da fatura será R$ 30. Segundo a regra do item I então, a compensação deve ser menor do que os 300 kWh.
Nesse caso, se compensasse 277 kWh a fatura final seria:
Compensação = R$ 0,90 x 277 kWh = R$ 249,30
Fatura final = R$ 300 – R$ 249,30 = R$ 50,70
Se compensasse 278 kWh a fatura final seria:
Compensação = R$ 0,90 x 277 kWh = R$ 250,20
Fatura final = R$ 300 – R$ 250,20 = R$ 49,80
Se compensar 278 kWh a fatura fica R$ 0,20 menor do que a conta mínima (que é R$ 50); e se compensar 277 kWh, a fatura fica R$ 0,70 maior do que a conta mínima.
Logo, o máximo que pode compensar, nesse caso, são 277 kWh. O item II do parágrafo 2º limita o máximo em 300 kWh, mas o item I do mesmo parágrafo limita em 277 kWh.
Vamos agora ver outro exemplo.
Imagine uma UC bifásica (50 kWh de custo de disponibilidade) que consumiu em uma certa fatura 1000 kWh. No mesmo período da fatura, o sistema injetou 1300 kWh.
As tarifas são:
- tarifa de consumo: R$ 1,00; e
- tarifa de compensação: R$ 0,90.
Qual o máximo valor que pode ser compensado?
Segundo o item II do parágrafo 2º, o limite é 1000 kWh (o limite é o consumo).
Mas será que pode compensar todos os 1000 kWh? Será que a fatura não vai ficar menor do que o valor do custo de disponibilidade?
Vamos fazer as contas para descobrir.
Consumo = R$ 1,00 x 1000 kWh = R$ 1000
Compensação = R$ 0,90 x 1000 kWh = R$ 900
Fatura final = R$ 1000 – R$ 900 = R$ 100
Como o custo de disponibilidade é 50 kWh, o valor mínimo possível que essa conta poderia alcançar seria:
Valor do custo de disponibilidade = R$ 1,00 x 50 kWh = R$ 50
Mesmo compensando todos os 1000 kWh permitidos pelo item II do parágrafo 2º, a fatura ainda fica maior do que o valor monetário do custo de disponibilidade (respeitando o item I do mesmo parágrafo).
Acho que com esses 2 exemplos ficou bem claro o funcionamento das limitações do parágrafo 2º.
2.2. Parcela referente à injeção de energia (TUSDg)
Agora vamos entender a parcela referente à injeção de energia (TUSDg). Essa explicação está disposta no parágrafo 3º.
“§ 3º A parcela referente à energia ativa injetada na rede deve ser calculada pela seguinte equação:
Faturamento Uso Injeção = (Injeção − Consumo) × TUSDg
em que:
- Injeção é a demanda medida de injeção, em kW;
- Consumo é demanda medida requerida do sistema, em kW, limitado ao valor da Injeção; e
- TUSDg é Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição aplicável a central geradora.”
Repare que o trecho não se fala em kWh, mas sim em kW; ou seja, estamos falando de demanda, e não de energia.
O consumidor só paga essa parcela caso sejam respeitadas, juntas, as 2 condições abaixo:
- 1: a demanda de injeção seja maior do que a demanda de consumo (carga); e
- 2: a UC tenha um medidor capaz de medir demanda.
Este segundo item, apesar de óbvio, é importante. A maioria das UCs atendidas em baixa tensão não tem um medidor capaz de medir demanda. Nesses casos, a TUSDg é zerada.
Se a distribuidora resolver trocar o medidor, deve avisar com pelo menos 2 meses de antecedência.
Isso que acabei de dizer é o que está escrito no parágrafo 4º:
“§ 4º No cálculo do § 3º devem ser observadas as seguintes disposições:
I – somente pode ser realizado nas unidades consumidoras em que o sistema de medição seja capaz de apurar as demandas requerida e de injeção; e
II – deve ser iniciado após aviso prévio à unidade consumidora, com pelo menos, dois ciclos de faturamento de antecedência.”
Caso a distribuidora troque o medidor (e coloque um capaz de medir demanda), o consumidor só paga TUSDg quando a potência de injeção for maior do que a de carga.
Veja um exemplo.
Vamos supor um sistema que gere na saída do inversor 3 kW de potência, no auge da geração (ao meio dia).
Se não tiver carga nenhuma instalada na UC, ao meio dia a demanda de injeção será de 3 kW.
Se o consumidor tomar banho em um chuveiro de 7 kW durante a noite, a demanda de carga já será maior do que a demanda de injeção. Nesse caso, o consumidor não paga TUSDg.
Supondo agora um sistema que gere 13 kW de potência na saída do inversor. Se o pico de carga for 7 kW (por causa do chuveiro), a demanda de injeção será 6 kW maior (13 kW – 7 kW). Nesse caso, o consumidor pagaria TUSDg em cima de 6 kW.
Se nesse mesmo exemplo, o consumidor ligasse 2 chuveiros ao mesmo tempo (aumentando a demanda de carga para 14 kW), já não pagaria mais nada de demanda de injeção.
Perceba então que, para a distribuidora, não compensa trocar todos os medidores. É muito comum, na maioria dos casos, que a demanda de carga seja maior do que a demanda de injeção.
Agora, atente-se às famosas usinas de 75 kW (usinas de aluguel atendidas em baixa tensão). Essas usinas geralmente não têm carga associada e, caso venha a se cobrar TUSDg, o valor não será baixo.
Se quiser se aprofundar mais neste assunto, veja esse outro post aqui.
Vamos então resumir tudo o que aprendemos sobre o valor mínimo da fatura de um consumidor grupo B.
3. Resumo do artigo
A fatura do consumidor grupo B é a soma de 2 parcelas:
- uma referente à energia consumida; e
- outra referente ao uso da rede para injetar energia (TUSDg).
Essa primeira parcela, referente ao consumo (“parcela referente à energia ativa consumida”) é o maior valor entre:
- o custo de disponibilidade; e
- o faturamento do consumo.
E o faturamento do consumo, por sua vez, é a soma de outros 2 valores:
- o saldo de energia (consumo “menos” compensação); e
- a taxação.
A segunda parcela, referente ao uso da rede para injetar energia, é independente da parcela referente ao consumo.
Se for o caso, cobra-se a demanda TUSDg. Mas como já vimos, em sistemas junto à carga é bem difícil de acontecer. Atenção deve ser dada às usinas sem carga (usinas de investimento).
Um erro bastante cometido pelas distribuidoras é a cobrança do custo de disponibilidade e do faturamento do consumo ao mesmo tempo. Isso é proibido pela REN 1000/21. Deve ser cobrado o maior valor entre eles, nunca os dois juntos.
Quando é cobrado o custo de disponibilidade?
Com essa nossa forma de cobrança, o custo de disponibilidade só é cobrado quanto o consumo da UC for menor do que esse custo mínimo.
Por exemplo.
Se uma UC trifásica teve na fatura uma medição de apenas 60 kWh de consumo, serão cobrados 40 kWh de custo de disponibilidade.
Esse é o único caso em que entra o custo de disponibilidade.
Um outro detalhe importante que quero trazer antes de encerrar o post é: a segunda parcela, referente ao uso da rede para injetar energia (TUSDg) não é um cobrança exclusiva de consumidores GD II. Ela é prevista para todos, inclusive consumidores GD I.
Por esse post era isso, espero que tenha aprendido algo com ele.
Fique com Deus e até a próxima.